"Os intelectuais que se recusam a sujar as mãos engajando-se na política partidária, ou assumindo um cargo público, são como o cidadão que afastado da política se queixa da sua corrupção. Ao não se comprometer, contribuem para que nada mude."
Texto recebido por e-mail do Ex-Blog do Cesar Maia [blogdocesarmaia@gmail.com]
(Ivan Petrella, diretor acadêmico Fundação Pensar - La Nacion, 16)1. Anos atrás, o dramaturgo e então ex-presidente da República Checa, Vaclav Havel, debateu com seu amigo, o escritor britânico Timothy Garton Ash, sobre o papel dos intelectuais na política. Eles se perguntaram se é possível ser um intelectual e um político ao mesmo tempo e responderam à pergunta de maneiras diferentes. Para Garton Ash existe uma relação contraditória entre o intelectual e o político. O dever do intelectual é encontrar a verdade e articulá-la da forma mais clara possível. O político apresenta a parte da verdade que melhor convém ao partido, e não busca a verdade na sua totalidade.
3. Havel, então, aceita a divisão entre intelectual e político proposta por
Garton Ash. Reconhece que a política, por sua natureza, impõe o curto prazo em
detrimento do longo prazo. Entende que a política é obrigada a buscar
interesses grupais em detrimento dos interesses gerais, que a leva a dizer
meias-verdades que satisfazem a maior quantidade possível de pessoas, ao invés
de enfrentar a verdade necessária e por vezes incômoda. Descrita dessa forma, a
política é o oposto da sensibilidade intelectual.
4. Mas para Havel, é justamente por isso que se deve incorporar intelectuais à
política partidária; não só podem, mas devem participar, são necessários para
criar uma política melhor. Os intelectuais que se recusam a sujar as mãos
engajando-se na política partidária, ou assumindo um cargo público, são como o
cidadão que afastado da política se queixa da sua corrupção. Ao não se
comprometer, contribuem para que nada mude.
5. Essa participação "a la Havel", penso, consistiria em pelo menos
duas tarefas. Primeiro, o intelectual deve ser a consciência de seu partido.
Deve ser a voz crítica que vai impedir que se utilize de qualquer meio para se
atingir o fim desejado. Um intelectual não pode tolerar que seu governo minta
em relação as estatísticas mais básicas, não pode permitir o capitalismo de
amigos, não pode concordar que se use o dinheiro público para financiar
propaganda política ou comprar vontades. Em segundo lugar, o intelectual
deve rebelar-se contra uma compreensão da política como mera gestão das demandas
do povo. Parte desta tarefa que pertence ao intelectual é ampliar imaginação
política do partido, através da busca, em todo o mundo, de exemplos de
políticas públicas transformadoras que poderiam ser aplicadas.
6. Assim, o intelectual deve responder a agressões com argumentos, e a
argumentos com outros ainda melhores. Para isso, deve buscar colocar as ideias,
os programas e – usando uma palavra da moda – os relatos no centro da cena. Sua
ânsia por ideias faz parte de sua vocação pelo longo prazo; muitas vezes as
ideias vivem mais e decepcionam menos do que as pessoas.
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