Por Denis Russo Burgierman, retirado do endereço http://veja.abril.com.br/blog/denis-russo/
As chuvas deste ano foram excessivas, muito acima da média, e pegaram nossos governantes – federal, estaduais, municipais – de surpresa.
Mas espera… Não contaram exatamente essa mesma história no ano passado, quando um bairro de São Paulo virou um lago por bíblicos 40 dias, Angra dos Reis desmanchou-se como sorvete derretido e dois rios encheram tanto e tão rápido que fez pernambucanos e alagoanos compararem-nos a um tsunami?
Aliás, essa “surpresa” não tem acontecido praticamente todo ano?
Vamos por partes. Primeiro: não é surpresa. Faz pelo menos uma década que se sabe que, com o avanço das mudanças climáticas globais, aumentará imensamente a ocorrência de eventos climáticos extremos no Brasil. A quantidade total de precipitação não aumentará muito, mas ficará mais concentrada, com mais água caindo em menos tempo. É exatamente o que está acontecendo: na semana passada já tinha caído no país toda a água esperada para janeiro.
Também não há sombra de dúvida de que as mudanças climáticas causadas pelo aumento da concentração de gases estufa na atmosfera é uma realidade que já está nos afetando. As previsões que os cientistas fizeram só não estão se confirmando porque estão sendo superadas (cientistas tendem a ser conservadores em suas estimativas). 2010 foi o ano mais quente e o mais chuvoso da história. Nove dos dez anos mais quentes da história aconteceram de 2000 para cá. Os gastos da defesa civil brasileira com tragédias subiu mais de 1000% em cinco anos.
Ou seja, se os governantes ficaram surpresos é porque não estavam prestando atenção – talvez estivessem ocupados demais discutindo a proibição do aborto para mulheres vítimas de estupro ou outra sandice dessas.
Mas colocar a culpa nos governantes é fácil. Façamos justiça: a sociedade toda está que parece anestesiada. Ninguém se mexe. Mesmo a imprensa morre de medo de dizer com todas as letras que a mudança no clima está por trás disso tudo. Uma tragédia depois da outra e ninguém se toca que tem algo bizarro acontecendo.
Continuamos bovinamente aceitando disparates, como a obra paulistana que, em meio aos indícios de que precisamos de um solo mais permeável, asfaltou uma faixa a mais de avenida na beiradinha do Rio Tietê. “Ah, vai melhorar o trânsito.” Trânsito de rabecões?
Tem gente que até apóia o projeto horripilante do deputado Aldo Rabelo de mudança no Código Florestal, que vai anistiar ocupações ilegais e permitir ocupação mais perto dos rios e em encostas mais íngremes, aumentando o assoreamento que faz os rios saírem de seus leitos.
Enfim, estamos fingindo que não é conosco. Estamos fazendo igualzinho aos governantes – em vez de trabalhar, torcemos para no ano que vem não chover tanto, apesar dos indícios de que vai chover mais.
As mudanças climáticas estão acontecendo e vão piorar. É um fato, precisamos lidar com ele.
Mas isso não precisa ser o apocalipse. É possível enfrentar as inevitáveis mudanças sem tantas mortes e prejuízos. A receita é simples (o que não quer dizer que seja fácil): tire as pessoas das encostas e das beiras dos rios, tire muito do asfalto para o solo absorver água, refloreste intensamente. Já é tarde demais para os mais de 700 brasileiros que morreram nas chuvas de janeiro. Comecemos hoje então.
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