Marcos Santos é filho da cidade de Parintins, Terra dos Bois Bumbás Garantido e Caprichoso. Jornalista formado pela Universidade Federal do Amazonas, apresenta o programa de rádio CBN Manaus. Em seu blog (http://www.cbnmanaus.com.br/marcossantos) escreve constantemente sobre a história e os bastidores do maior festival folclorico do Amazonas.
Esse ano o grande vencedor do festival foi o Boi Bumbá Caprichoso. Fazer o quê, né? Sem essa chance do Garantido, o Caprichoso iria descer o rio amazonas de bubuia... rsrsrsrs.
O Festival Folclorico de Parintins é recheado de manias, histórias, contos, piadas e muita rivalidade. Os torcedores do Caprichoso se orgulham de serem do boi da elite. Mais orgulho tem os torcedores do Garantido por serem do boi do povão. Esses comportamentos são públicos e notórios, porém, poucas pessoas sabem como esses rótulos surgiram e é disso que o jornalista Marcos Santos comenta. Vamos lá!
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O Festival Folclórico 2010 serviu para derrubar vários tabus. Diziam que o Caprichoso levou David Assayag porque é o “Boi do dinheiro”. O Garantido foi lá e, cachê bem mais alto, trouxe Daniela Mercury.
Essa história de boi rico x boi pobre e boi do povão x boi da sociedade me dá nos nervos.
Fiquei particularmente alarmado quando uma colega de trabalho, próxima, amiga, fez um texto tratando o Garantido de “Boi do Povão” e o Caprichoso de “Boi da Elite”. Paixões à parte, percebi que ela estava refletindo uma “verdade” muito enraizada.
Como isso surgiu?
Década de 1970, Paulinho Faria começa a apresentar o Garantido e põe o bloco na rua, como sempre fez, com muita competência. Pega o carro de propaganda volante da loja “A Jotapê”, de sua família, e sai pelas ruas desafiando o Caprichoso, dizendo que o Garantido era o lindão etc. Zé Maria Pinheiro, radialista, dono de outro carro de propaganda, fanático pelo Caprichoso, começa a dar o troco.
Na época, Cleó Marques e Ana Celeste haviam acabado de desfilar pelo Caprichoso como Miss do Boi e Rainha da Fazenda. Com um detalhe que lotou ainda mais o Parque das Castanholeiras, onde o desfile aconteceu: eram belíssimas, de famílias conhecidas e foram as primeiras a desfilar de maiô nos bumbás.
O resultado é que desfilar no Caprichoso virou uma consagração de beleza feminina. A menina podia ser bonitinha e tal, mas só seria reconhecida na cidade se desfilasse no Caprichoso. Por conta disso, em certa ocasião, no estádio Tupy Catanhede, o Caprichoso formou a “Ala Jovem” e colocou no tablado perto de 100 das mais belas meninas parintinenses, dos 15 aos 18 anos, fazendo um círculo completo.
Zé Maria, no auge dessa picuinha com Paulinho Faria – que cumpriu papel fundamental na cidade para aumentar a rivalidade entre Caprichoso e Garantido – tascou: “O Caprichoso é onde desfilam as meninas mais bonitas de Parintins. É o boi da sociedade”.
Paulinho, esperto, atinado com a guerra de torcidas Remo x Paysandu, em Belém do Pará, onde sua família tinha negócios e que frequentava em todas as férias, lascou, do outro lado: “O Garantido é o boi do povão”. E seguiu nessa linha, no Bumbódromo: “Quem gosta de tucumã que levante o braço”; “Quem gosta de bodó que levante o braço”, repetia.
Em Parintins, o efeito disso foi mínimo. Embora o alto consumo de tucumã (vitamina A pura) e bodó (o peixe 100% sem gordura) estejam entre as unanimidades da cidade, ser do “boi da sociedade” tinha um significado específico, estrito, íntimo, positivo. Significava integrar o boi das mulheres mais bonitas da cidade, das filhinhas de papai, das meninas, como se diz popularmente, “criadas com Toddy”.
E eis que o Boi Bumbá explodiu, com os bumbódromos de madeira e depois o bumbódromo de alvenaria. O que era restrito, com um significado local, tornou-se amplo, ganhando outra conotação. Como diz Joãozinho 30, “pobre gosta de luxo, quem gosta de pobreza é intelectual”. Muito pseudo intelectual e rico querendo parecê-lo virou Garantido por conta do charme do slogan “Boi do Povão”. A partir daí isso virou sinônimo de boi pobre, sem dinheiro, sem apoio, desamparado, que vencia os festivais apenas com a garra de sua torcida.
Ninguém parou para pensar que os governos Federal, do Estado ou Prefeitura ou mesmo empresas da iniciativa privada dão um valor para um bumbá e outro igual para o outro. Ninguém leva um centavo a mais. Se um administra bem os recursos e o outro não, aí já é outra questão. Ambos recebem em torno de R$ 7 milhões por ano. É o suficiente para fazer bonito.
Os bumbás de Parintins nasceram, ambos, de um tronco nobre. José Furtado Belém, político influente no Amazonas do início do Século XX, pai do saudoso deputado estadual Júlio Furtado Belém, patrono do aeroporto da Ilha Tupinambarana, está na raiz do Boi Galante, que é o frondoso tronco onde nasceram Garantido e Caprichoso.
Os bumbás atuais, porém, foram fundados, o Garantido por Lindolfo Monteverde, que era pescador, e o Caprichoso por Boboí, Emídio Vaz e Luiz Gonzaga, entre outros, estivadores e, igualmente, pescadores. Todos pobres. Todos gente muito humilde. A pesca era a principal atividade econômica do Município.
Em determinado momento, final da década de 1980, Zezinho Faria, comerciante próspero, irmão de Paulinho Faria, era o presidente do Garantido. O presidente do Caprichoso era Rubem dos Santos, radialista, professor, assalariado, meu irmão. Zezinho usou os armazéns de sua empresa para profissionalizar o bumbá e reutilizar materiais de um ano para o outro, ampliando o número de brincantes do vermelho a cada ano. Rubem comprava paneladas de peixe no porto da Francesa, emprestava panelas na vizinhança e levava para os QGs do Caprichoso, para alimentar os artistas.
Mas o Caprichoso era o Boi Rico e o Garantido o Boi Pobre. Eficiência do marketing X ausência total de marketing.
Outro dia estava fazendo uma lista de torcedores dos dois bumbás em Manaus. Não vou citar nomes, mas a balança da “sociedade” fica quase toda com o Garantido – donos de TVs, rádio e jornal, superintendente de autarquia poderosa, políticos do Executivo etc. & tal. E é um pessoal participativo, que não tinha problema em meter a mão no bolso e ajudar o Garantido, quando ele precisava. Do lado do Caprichoso, o João do Carmo Careca aparecia com uma idéia maravilhosa e lá ia a gente fazer cota, recolher de R$ 10 em R$ 10 para conseguir juntar o dinheiro inicial e depois sair de porta em porta dos comerciantes para arranjar o resto.
O Festival Folclórico 2010 serviu para mostrar que não tem nada disso não. Claro que o melhor marketing deve ser usado para atrair torcedores. O Garantido é muito bom nisso. Que o Caprichoso aprenda a lição e reequilibre as coisas.
Afinal, a origem humilde de ambos os bumbás ressalta o mérito dos parintinenses em tornar o Festival de Parintins uma festa reconhecida internacionalmente. Sem dinheiro. No peito e na raça. De ambos os lados.
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